
Machismo no meio nerd: como ele se faz presente no universo nerd
Já parou pra pensar em como o papel do nerd, hoje, é bem diferente daquele com o qual estamos mais acostumados? Foi criada uma ótima narrativa: antes, o nerd sofria por gostar de certas coisas, mas hoje, é ele quem dá as cartas.

Agent Carter | ABC
Supostamente, por já terem sofrido muito preconceito, esse público deveria ser o mais acolhedor e que estaria mais disposto a aceitar diferenças.
Mas não é bem por aí!
Índice:
1. Ser nerd é ser cool
2. De onde vem o machismo?
3. Desapontador, mas não surpreendente
4. Não existe machismo no meio nerd?
5. Ainda acha que não existe machismo?
6.Ver mulheres ocupando esse espaço causa impacto e desconforto
7. Mas não é só nos campeonatos que o mundo nerd subjuga mulheres como inferiores
8. Se você acha que é exagero, você não é uma mulher dentro do mundo nerd
9. A fetichização e a hiperssexualização de personagens femininas é uma forma de o machismo se manifestar no mundo nerd
10. A mulher tem apenas duas versões: a gostosona e a indefesa
11. Personagens femininas fortes e não sexualizadas ainda fazem parte de um movimento recente e que causa desconforto
1. Ser nerd hoje é ser cool
Hoje, filmes de super-heróis ou de ficção científica, produtos voltados para o público nerd, são as maiores bilheterias do cinema e tudo parece ir bem pra essa galera. Só que, diferentemente do que muitos acham, esse ambiente ainda é bastante fechado e preconceituoso.
Principalmente com as mulheres.
A Ovo Frito, como lugar seguro para o público feminino do universo nerd, traz uma análise sobre esse problema. Como o machismo aparece nos canais nerds? Como as personagens femininas reforçam essa discriminação? Como mulheres nerds enfrentam o preconceito? Esses são apenas alguns dos tópicos que vamos abordar nessa matéria.
Continue com a gente!
2. De onde vem o machismo?
O machismo é uma estrutura muito maior do que conseguimos perceber. Ele está enraizado na nossa
sociedade, na nossa cultura, na forma como somos criados. Por isso, atitudes misóginas não são vistas por muitas pessoas como tal em muitos segmentos.
O meio nerd é, predominantemente, masculino quando levamos em consideração os grupos de discussão sobre produtos voltados para esse público, então não é surpresa que situações machistas sejam comuns.
3. Desapontador, mas não surpreendente
Já passou da hora de aceitarmos e naturalizarmos a presença feminina nesses ambientes, antes considerados como “lugar de menino”.
Hoje, só no Brasil, as mulheres representam mais de 50% da audiência dos games e, no mundo do cinema, uma pesquisa divulgada pela Creative Artists aponta que filmes com protagonistas mulheres rendem maiores bilheterias do que aqueles protagonizados por homens.


Arte/Reprodução: SuperInteresante
Além disso, essa mesma pesquisa mostrou que filmes que passam no Teste Bechdel se saem melhor nas bilheterias. Ou seja, o público pede por mais conteúdo com mulheres na linha de frente e que não sejam moldadas aos olhos masculinos.
Meninas e mulheres fãs de quadrinhos, de ficção científica, de videogames, de animes, de cosplays e afins, têm, cada vez mais, elevado suas vozes para dizer que menina pode ser nerd, sim

Mas não adianta apenas incluir uma mulher no papel de protagonista. O Teste Bechdel, que surgiu há mais de 30 anos em uma tira da cartunista Alison Bechdel, analisa filmes para avaliar se fazem bom uso, ou não, de personagens femininas.
São 3 as regras principais:
1. Deve haver ao menos duas personagens mulheres.
2. Elas precisam conversar entre si no mínimo uma vez.
3. O papo não pode ser sobre homens.
Você pode conferir o resultado de diferentes filmes dos últimos anos no site
Paródia cartaz 'We can do it' de J. Howard Miller
@MarceloDMnzs Wordpress
Leia mais: Estudo da The Wrap mostra que a presença de protagonistas femininas nos filmes de maior bilheteria aumentou em 2018. (matéria em inglês)
4. Não existe machismo no meio nerd?
Se você pensa assim, muito provavelmente você é homem ou não consegue enxergar essas atitudes porque elas são mascaradas, disfarçadas de “brincadeiras”. Para entender melhor esse cenário, pense em quantas vezes uma mulher teve que provar ser fã de algum personagem, filme, game, etc respondendo uma série de perguntas – sem sentido – feitas por um homem.

Nós, mulheres , precisamos sempre provar que somos “nerds de verdade” e não “posers”, ou, pior ainda, “attwhore” — termo pejorativo que vem de “attention whore”, usado para caracterizar aquela mulher que faz de tudo para chamar atenção. E qualquer tipo de reclamação ou observação sobre esse preconceito – nem tão – velado é tratado como “mimimi”, “exagero”.
"O universo nerd é cercado de machismo e preconceito. Há uma diferença na recepção do público quando você é uma mulher que gosta da cultura nerd/pop e emite sua opinião na internet sobre uma determinada obra, e quando você é um homem e opina sobre a mesma obra.” É o que conta a editora do Delirium Nerd, Isabelle Simões de Souza.
Crítica ao comportamento masculino
MinasNerd
Mas Isabelle não é a única sobrevivente desse machismo. A professora, e entusiasta do mundo nerd, Lady Sybylla (Momentum Saga), também já enfrentou situações muito difíceis. “Ou a gente é tratada com violência porque gosta do que os meninos gostam, e temos que apresentar 'carteirinha de milhas' pra provar que gostamos de alguma coisa, ou então eles acham que somos uma coisa de outro mundo e pedem nossos nomes, WhatsApp, e-mail, etc, sendo bem invasivos”.
5. Não existe machismo no meio nerd?
Como se a sabatina pela qual devemos passar para sermos “aprovadas” não fosse suficiente, um dos principais problemas enfrentados é o assédio. Personagens altamente sexualizadas, homens que comentam apenas sobre os corpos e a aparência de atrizes e cosplayers, a falta de noção de espaço pessoal, a irritação quando uma cosplayer se recusa a tirar uma foto ou abraçar um estranho... tudo isso só reforça o quão machista é esse universo.
E não é apenas uma misoginia velada. Para se ter uma noção de como a sociedade, e isso inclui o mercado, ainda não está pronta para aceitar que lugar de mulher é onde ela quiser, basta ler os regulamentos de campeonatos de games promovidos pelas gigantes indústrias de jogos.
Mesmo não sendo necessária nenhuma força física para jogar videogame, as competições são segmentadas por gêneros, ou seja, mulheres não são capazes de jogar contra homens. Isso é um problema porque o que é usado para o desempenho da atividade é a mente e a capacidade de estratégia, então quando separamos as mulheres estamos afirmando que elas não são capazes mentalmente de competir contra um homem.
Outro grande problema dessa mesma situação é que, apesar de representarem a maioria do público gamer, as mulheres ainda são colocadas em posições inferiores. Sendo assim, premiações femininas são menores do que aquelas oferecidas aos jogadores do sexo masculino.
6. Não existe machismo no meio nerd?

Heroínas como Mulher Maravilha, Mulher Gato, Viúva Negra, até mesmo a Vilã Arlequina, entre outras, têm seus próprios produtos e comic books, mas, quase sempre, quando são apresentadas para o público mainstream acabam se tornando apenas acessórios do protagonista masculino. São retratadas como interesse amoroso ou apenas uma personagem de apoio para a história central do herói e, – de novo – quase sempre, não têm voz ativa na trama.
Esse machismo acaba refletindo no mundo real. Hoje em dia, mulheres que se interessam pelo mundo nerd, são vistas como masculinizadas ou pessoas inexperientes na área, além de ouvirem, diversas vezes, que aquele espaço não é para elas.
Apesar disso, os números mostram o contrário. No maior evento voltado para a cultura nerd, a Comic Con, o público feminino representa cerca de 50%, além de serem 40% do público leitor das HQs da Marvel. E, ainda assim, mulheres não se sentem bem-vindas em eventos, fóruns ou grupos de discussão por sofrerem silenciamento, desqualificação e assédios de vários tipos.
Infográfico participação feminina no unvierso geek
Blog do Primeiro Texto
"O tom condescendente e as microagressões se tornaram algo esperado por mim. Parece que os homens geeks brancos não são questionados da mesma forma que eu e outras mulheres geeks negras. Sempre supõem que somos novatas, que acabamos de entrar no mundo dos quadrinhos, games ou ficcção científica, o que não é verdade." - Ana, do podcast Nerdgasm Noire
Sermos constantemente questionadas e termos que provar que sabemos da importância da frase “No more mutants”, entre outras, é mais uma forma de opressão, por mais que muitas pessoas – homens – achem que não. Tudo isso é uma carga a mais nesse contexto machista em que vivemos, tendo que lutar para receber os mesmos salários que homens ocupando a mesma função, e provar que não merecemos ser cantadas, estupradas e etc…
Precisamos passar por uma espécie de vestibular a cada vez que queremos conversar sobre um tópico do universo nerd, seja ele um arco de um personagem, um filme, um jogo, ou o que quer que seja. Nós, mulheres, temos que mostrar que somos, sim, capazes de entender referências e gostar da cultura nerd, mas sem nunca discordar do que a maioria masculina está dizendo.
7. Mas não é só nos campeonatos que o mundo nerd subjuga mulheres como inferiores
Para grande parcela do público masculino, mulheres “não tem nada para dizer”, “não sabem sobre o que estão falando”, “não se interessam de verdade, só dizem gostar porque os atores são bonitos” (todas essas frases, e muitas outras, são reais). Quando se é mulher, tentar comentar sobre qualquer assunto do universo nerd se torna uma sabatina sem fim.
“Tratando de um caso empírico: em uma discussão sobre a Guerra Civil, talvez minha saga favorita da Marvel, anularam todas as minhas opiniões e argumentos apenas por eu ser mulher. Minhas opiniões foram resumidas a uma tentativa de chamar a atenção ou de arrumar um homem”, é o que conta a colunista Michele Santos, do portal HuffPost . E isso não é um caso isolado, são vários os relatos de mulheres que ouviram que “não têm nada a ver com o universo nerd” ou qualquer coisa do gênero.
8. Se você acha que é exagero, você não é uma mulher dentro do mundo nerd
Gabriela Franco, editora-chefe do Minas Nerd, uma iniciativa criada para ser um espaço seguro para mulheres debaterem a cultura nerd, conta que essa sabatina imposta às mulheres é uma das situações mais comuns. "Se você diz que gosta de Star Wars, por exemplo, é comum alguns homens perguntarem detalhes específicos da franquia, apenas com a intenção de verificar se você é 'fã de verdade'".
Além dela, Fernanda Rodrigues, do canal Nerdista, conta que, apesar de ter escrito seu TCC de pós graduação sobre Star Wars e Marvel, ainda se vê diante de situações em que é "colocada à prova". “O que acontece é que os homens desse universo sempre menosprezam e acham que a mulher não sabe nada sobre isso, sempre que entro no assunto sou questionada umas 30 vezes mais que os homens sobre os detalhes dos filmes, livros, etc".
E esse teste é apenas o começo.
9. A fetichização e a hiperssexualização de personagens femininas é uma forma de o machismo se manifestar no mundo nerd
Antes de começarmos a falar sobre esse assunto, dê uma olhada nas imagens.
Uniformes hipersexualizados de personagens femininos
Google Imagens
Você consegue perceber um padrão e um problema?
Nenhuma dessas roupas é apropriada ou funcional para combates, mesmo que essa seja a atividade final da personagem.

Aqui, trouxemos apenas uma pequena parcela de como as roupas das personagens femininas em produtos voltados para a cultura nerd – sejam eles jogos, filmes, HQs– são altamente sexualizadas para agradar aos olhos masculinos, sem levar em consideração a história da personagem. A objetificação da mulher neste cenário acontece desde sempre, infelizmente.
Leia mais: A hipersexualização de super heroínas nos quadrinhos (artigo em inglês)
5 heroínas com trajes extremamente inadequados
10. A mulher tem apenas duas versões: a gostosona e a indefesa
Na maioria das vezes, heroínas ou vilãs são utilizadas apenas como recurso narrativo, motivando o herói – masculino, sempre – na sua jornada. O fan service é o mesmo: rostos simetricamente perfeitos, barriga trincada, cabelo impecável e, principalmente, seios e bunda extremamente grandes que são ressaltados pelas poses extremamente sexualizadas das personagens.

Padrão da representação de corpos femininos
Google Imagens
O problema não é só o formato do corpo da personagem. Mas, principalmente, o que representam: a submissão feminina e o papel de que estamos aqui para agradar aos homens, independentemente do ambiente. No caso dos personagens masculinos, a representação de corpos musculosos e definidos representa poder; afinal, nenhum super herói é colocado em posições “convidativas” e sexuais.




E se personagens masculinos fossem representados como personagens femininas?
Google Imagens
A realidade é que o público majoritário não vê problema nisso simplesmente porque não é a imagem do homem que está sendo denegrida. Ele é sempre o protagonista, o mais forte e que salva todo mundo no final. Enquanto toda mulher no cenário geek é sensual e hipersexualizada
A sexualização - ou hipersexualização - dos corpos femininos nessa indústria não é algo novo. De uniformes ridiculamente minúsculos a poses extremamente constrangedoras, o mundo nerd, que sempre se voltou aos gostos masculinos, nunca pareceu se importar com isso. E muitas pessoas reforçam esses estereótipos ao pensarem que não há nada demais nisso. Afinal, o que há de errado em retratar mulheres belas e desejáveis?
O problema é que mulheres não estão aqui para servir aos desejos reprimidos de um público masculino, e representá-las de tal maneira é desrespeitoso pra dizer o mínimo.
Isso vai de encontro, até mesmo, com a verossimilhança das histórias. Quem é mulher sabe: correr de salto alto é um desafio. Imagina lutar contra uma legião de super vilões?
Claramente quem desenha essas personagens não entende absolutamente nada do universo feminino. A falta de representatividade feminina serve apenas como reflexo da sociedade, onde uma mulher nunca teve acesso fácil ou incentivo em um ambiente dominado por homens.
"Essa sexualização não vem apenas do character design, também está presente em como as personagens são vistas — literalmente — pelos fãs nas suas obras. São centenas de quadros, cenas e ilustrações em que nossas heroínas se encontram em posições incoerentes, ou mesmo a câmera foi posicionada apenas para ressaltar alguma parte de seu corpo" - Laura Moura, nerd e jornalista em seu artigo do Medium
11. Personagens femininas fortes e não sexualizadas ainda fazem parte de um movimento recente e que causa desconforto
O cinema já percebeu que a parcela de mulheres nerds está crescendo e precisamos de representação, de personagens fortes, independentes e que não façam a linha clichê de mocinhas indefesas. Com a força de super-heroínas, as mulheres estão mudando esse cenário que, até então, era homogêneo.

Captain Marvel | Marvel
Tivemos o lançamento do filme da Mulher-Maravilha, a série da Supergirl, o lançamento de Homem Formiga e a Vespa (o primeiro filme da Marvel a ter uma mulher como protagonista no título do filme), Capitã Marvel… todas essas personagens, assim como outras, são mulheres, heroínas, fortes e, o mais importante, são representadas como mulheres reais.
"A lógica deveria ser simples: se um personagem masculino ficaria ridículo em uma situação, não deveria ser apropriada também para as personagens femininas", é o que diz Jessica Soares em seu artigo para a revista SuperInteressante. É possível não sexualizar as personagens em HQs, basta prestar atenção em alguns pontos:
I- na hora de desenhar o rosto, não sensualize as expressões da personagem;
II- dê às personagens femininas músculos, afinal, se ela é uma heroína, treina bastante;
III- pense em uniformes adequados;
Algumas outras dicas você confere no post do Facebook da artista Renae De Liz (post em inglês).
“Desenhar mulheres de forma sexy é uma resposta automática para muitos artistas. É feito sem reflexão. Foi como eu desenhei por muitos anos até que me dei conta. Se você escolher desenhar uma mulher sexy, tudo bem — discutir alternativas e reconhecer padrões não é uma ameaça para você. Essa é apenas a ponta do iceberg.” - Renae De Liz
Por mais que as mulheres estejam ocupando cargos fortes em filmes da cultura pop geral ou super-heróis, a represália continua grande
Em momentos de inclusão e poder feminino, o papel da mulher em um ambiente permanentemente masculino ainda continua um tanto embaçado. Esse grande aumento de empoderamento feminino na cultura pop vem causando efeitos muito mais positivos do que negativos. Graças a novas representações de personagens, uma geração nova de meninas está descobrindo uma inspiração de força, quando antes só havia papéis masculinos representando isso.
Leia mais: Super-heroínas ou super-sexualizadas?
E você?
Já enfrentou alguma situação de machismo em algum ambiente nerd? Conta pra gente o que você pensa sobre esse assunto. E não esquece de compartilhar o post pra que mais pessoas comecem a pensar sobre a opressão contra mulheres nesse universo geek.
E se você quiser saber o que outras mulheres têm a dizer sobre a importância de personagens femininas fortes nesse universo, você pode ouvir nossa playlist no SoundCloud!